Hilda de Almeida Prado Hilst (1930-2004)
Foi uma poetisa, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. O reizinho gay integra parte de sua tetralogia obscena, formada por: O caderno rosa de Lori Lamby (1990), Contos d’escárnio – Textos grotescos (1990), Cartas de um sedutor (1991) e Bufólicas (1992).
O REIZINHO GAY
Mudo, pintudão
O reizinho gay
Reinava soberano
Sobre toda nação.
Mas reinava…
APENAS….
Pela linda peroba
Que se lhe advinhava
Entre as coxas grossas.
Quando os doutos do reino
Fizeram-lhe perguntas
Como por exemplo
Se um rei pintudo
Teria o direito
De somente por isso
Ficar sempre mudo
Pela primeira vez
Mostrou-lhes a bronha
Sem cerimônia.
Foi um Oh!!! geral
E desmaios e ais
E doutos e senhoras
Despencaram nos braços
De seus aios.
E de muitos maridos
Sabichões e bispos
Escapou-se um grito.
Daí em diante
Sempre que a multidão
Se mostrava odiosa
Com a falta de palavras
Do chefe da Nação
O reizinho gay
Aparecia indômito
Na rampa ou na sacada
Com a bronha na mão.
E eram ós agudos
Dissidentes mudos
Que se ajoelhavam
Diante do mistério
Desse régio falo
Que de tão gigante
Parecia etéreo.
E foi assim que o reino
Embasbacado, mudo
Aquietou-se sonhando
Com seu rei pintudo.
Mas um dia…
Acabou-se da turba a fantasia.
O reizinho gritou
Na rampa e na sacada
Ao meio-dia:
Ando cansado
De exibir meu mastruço
Para quem nem é russo.
E quero sem demora
Um bocado negro
Para raspar meu ganso.
Quero um cu cabeludo!
E foi assim
Que o reino inteiro
Sucumbiu de susto
Diante de tal evento…
Desse reino perdido
Na memória dos tempos
Só restaram cinzas
Levadas pelo vento.
Moral da história:
a palavra é necessária
diante do absurdo.