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Lucas Litrento 
É escritor, realizador cinematográfico e produtor cultural, vive em Maceió/AL. Lançou os livros Os meninos iam pretos porque iam (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2019), o zine de poesia ROBYN (1TXW, 2020) e TXOW (Edipucrs, 2020). Realizou o curta-metragem círculos (1TXW, 2020). Constrói os coletivos artísticos Loitxa Lab, Mirante Cineclube e Pernoite Literário.

DO MEIO

Começou no verso, o outro lado era só folha miúda, veia-verde, não valia. O verso não, tinha esse pingo de sangue. E eu descabriado no meio do nada. No do-meio nem um som de gente, quase nenhum som de bicho. O som do meu ôrí. 
A gente foi pro do-meio e na minha cabeça uma casa na cabana, arco e machado, zarabatana. Mas pra tudo que é lado o canto dos pássaros.
Precisei ficar tonto. Ao redor só mato, aí girei. Girei, girei mesmo; sem eixo. Até bater o pé num pedaço de tronco e mesmo assim aquele pedacinho marrom não era nada. Um verde só. E era disso que eu precisava. Sentir que os olhos são redondos.
Do nada ela me chamou, disse bora pro rio e eu bora, poucas ideias. Talvez por isso o desconfiar. Na noite da véspera lembrei de quando peguei um ônibus na mesma semana e ouvi a conversa de dois velhos. Aqui tem tudo, só não tem praia, disse um. Aí o outro: é, mas tem o rio do-meio, embaixo do cemitério; os cabra vão pra lá e esquece até Deus, quem vê alguém fazendo coisa passa direto. Pois lembrei disso, assim do nada, outra pulga atrás.
E quando pulga coça sempre cato sinal, chamo os guias. Pois nada. Só o despertador. Acordei mais um dia com os olhos vermelhos, três pingos de colírio e rua. Conversados básicos, o de sempre, e eu sem saber o que ela queria. O cangote dela suspenso no ar.
Por que do-meio? Procurei a ponta do rio e ele só brotava do chão. Depois da trilha um descampadozinho, umas folhas caídas: onde o pessoal fica. O do-meio é tipo a vida, como os preto-velho dizem: cê num tá no fim nem no começo, fio; tá no meio. A vida é o meio. O pingo de sangue no verso da folha... é da vida também, ou não é? Fui desarmando, uns mergulhos.
Do nada uma fumaça, da mesma cor do pingo de sangue. Mas a fumaça já tava lá e eu não percebi, ela tava era sendo sugada, como se tivesse uma máquina ali no meio do mato. Era um avançar voltando, tipo o do-meio. Defumador nenhum faz, eu entendo. Só virei o rosto pra ela, era só silêncio desde o começo da trilha, aquela cara de quem deve e eu queria que. Pois olhei e ela começou a cantar. Deixa a fumaça entrar, deixa a fumaça entrar na sala. Deixa a fumaça entrar, deixa a fumaça entrar na sala. E danou-se a girar.

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